Universidade de Montpellier
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Educação

Não é quase um axioma por si só evidente que o Estado deveria impor uma escolaridade mínima obrigatória a todos os seus cidadãos? E, contudo, quem não tem medo de reconhecer e defender esta verdade? De facto, praticamente ninguém negará que, após trazerem ao mundo um ser humano, um dos mais importantes deveres dos pais (ou, dado o estado presente da lei e do costume, do pai) é dar a esse ser uma educação adequada para que realize bem a sua parte na vida em relação a si e aos outros. Mas embora seja quase unanimemente declarado que isto é dever do pai, quase ninguém neste país aceitará que se diga que deve ser obrigado a realizá-lo. En vez de se exigir que faça qualquer esforço ou sacrifício para assegurar a educação da criança, deixa-se à sua escolha aceitá-la ou não quando é facultada gratuitamente! Ainda não é reconhecido que trazer uma criança ao mundo sem boas expectativas de ser capaz não só de providenciar alimento para o seu corpo, mas também educação, instrução e exercício para o seu espírito, é um crime moral, tanto contra  a desafortunada criança como contra a sociedade; e que se o progenitor não cumpre essa função, o Estado tem o dever de se certificar de que é cumprida . tanto quanto possível, às custas do progenitor.

Assim que se aceita o dever de impor uma educação universal, deixa de haver as dificuldades sobre o que devia o Estado ensinar, e como devia ensiná-lo, que agora tornam o assunto num mero campo de batalha para facções e partidos, desperdiçando em querelas sobre a educação o tempo e o esforço que deveriam ser gastos a educar. Se o governo se decidisse a exigir que todas as crianças tivessem uma boa educação, poderia poupar-se ao trabalho de fornecer a educação. Podia deixar a cargo dos pais obter a educação onde e como entendessem, e contentar-se em ajudar a pagar as propinas das crianças mais pobres, e suportando o peso total dos gastos escolares dos que não tivessem qualquer pessoa que lhas pagasse. (..) Ninguém se opõe mais do que eu a que toda a educação das pessoas esteja nas mãos do Estado. Tudo o que se disse acerca da importância da individualidade de carácter, e diversidade de opiniões e modos de conduta, implica que a diversidade de educação tenha a mesma importância fulcral. Uma educação estatal geral é um mero estratagema para moldar as pessoas de tal modo a que sejam exactamente iguais umas às outras; e dado que o molde em que as coloca é o que agrada ao poder predominante no governo, quer se trate de um monarca, do clero, de uma aristocracia, ou da maioria da geração existente, na medida em que essa educação seja eficiente e bem sucedida, estabelece um despotismo sobre o espírito, conduzindo por tendência natural a um despotismo sobre o corpo. Uma educação estabelecida e controlada pelo Estado devia apenas existir, se é que devia existir de todo em todo, como uma entre muitas experiências em competição, conduzidas pelo objectivo de dar o exemplo e estimular, para fazer as outras seguir um padrão de excelência. De facto, a não ser quando a sociedade em geral esteja num estado tão retrógrado que não quereria ou não poderia providenciar para si quaisquer instituições encarregadas de educação, a não ser que o governo se encarregasse da tarefas; então, de facto, o governo pode tomar a seu cargo as várias sociedades anónimas quando não haja no país iniciativa privada adequada para levar a cabo grandes obras. Mas, em geral, se o país contém um número suficiente de pessoas qualificadas para dar aulas sob os auspícios do governo, as mesmas pessoas estariam aptas e dispostas para dar aulas igualmente boas a título voluntário, contando com a garantia de remuneração assegurada por uma lei que tornasse a educação obrigatória, juntamente com ajuda estatal para os que não conseguissem pagar a despesa.

O meio de impor a lei não podia ser senão exames públicos que abrangessem todas as crianças, e tivessem início numa idade jovem. Podia estabelecer-se uma idade na qual toda a criança deveria ser examinada, para determinar se ele (ou ela) conseguia ler. Se uma criança se mostrasse incapaz de ler,o pai, a não ser que tivesse justificação adequada, podia ser sujeito a uma multa razoável, a ser calculada, se necessário, segundo os seus rendimentos, e a criança podia ser colocada na escola às suas custas. (…) Os exames sobre religião, política, ou outros assuntos controversos, não devia estar dependentes da verdade ou falsidade da opinião, mas sim do facto de que tal e tal opinião é defendida, por tais razões, por tais autores, escolas ou igrejas (…); e penso que deviam ser conferidos graus, ou quaisquer outros certificados públicos, a todos os que se submetessem a um exame, e passassem o teste; mas que tais certificados não deviam conferir vantagem sobre os restantes competidores, excepto a fiabilidade que lhes pudesse ser atribuída pela opinião pública.”

John Stuart Mill, Sobre a Liberdade, Cap. IV

 

E na sua opinião, deve haver um Estado centralista em matéria de educação? Devem existir iniciativas privadas de educação? Os exames são realmente necessários?

 

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Sérgio Lagoa - APF

Professor de Filosofia no Ensino Secundário e Formador de Professores. Mestre em Pedagogia do e-learning (UAb) e Mestre em Didática da Filosofia (FLUP). Membro da direção da Apf (Associação de Professores de Filosofia)

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