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O Princípio do Dano

Diz Mill, na Introdução:

“O objetivo deste ensaio é asseverar um princípio muito simples, que se destina a reger em absoluto a integração da sociedade com o indivídu0 no que diz respeito à coacção e controlo, quer os meios utilizados sejam a força física, na forma de punições legais, quer a coerção moral da opinião pública. E o princípio de que o único fim para o qual as pessoas têm justificação, individual ou colectivamente, para interferir na liberdade de acção do outro, é a autoprotecção. É o princípio de que o único fim em função do qual o poder pode ser corretamente exercido sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é o de prevenir dano a outros. O seu próprio bem, quer físico quer moral, não é justificação suficiente.”

Podemos encontrar extensa bibliografia sobre este Princípio do Dano. Eis algumas sugestões de leitura complementar:

 

1) Um texto de Pedro Madeira, tradutor da edição que estamos a tomar por referência, sobre a liberdade de expressão a partir do caso das caricaturas de Maomé, publicado em  https://criticanarede.com/ed109.html . Eis um excerto: “Lembremo-nos de que o princípio do dano implica, em termos práticos, que o ónus da prova está sempre do lado de quem quer proibir, e não do lado de quem quer permitir. Mill argumenta que a liberdade de expressão deve ser quase total. A única excepção mencionada por Mill (no princípio do terceiro capítulo) é o caso da pessoa que está numa manifestação em que os ânimos estão exaltados e grita certas palavras de ordem que constituem uma incitação à violência. Mill acha que não é permitida liberdade de expressão para dizer tais palavras de ordem em tais circunstâncias. É importante frisar que as mesmas palavras de ordem, ditas noutras circunstâncias, seriam permitidas. Parafraseando Mill: deve ser permitido escrever um artigo para o jornal a defender que a propriedade privada é um roubo; mas não deve ser permitido dizê-lo à porta da casa de um latifundiário perante uma turba exaltada.”

2) Um texto de Desidério Murcho, “O argumento epistémico de John Stuart Mill a favor da liberdade de expressão”, no qual afirma que “O princípio do dano, a que podemos chamar mais adequadamente “direito ao erro”, é de importância capital. Trata-se de uma ideia revolucionária, que infelizmente ainda está longe de ser amplamente conhecida e menos ainda praticada. Há uma tendência geral nos seres humanos para controlar social, política e religiosamente o comportamento e as opiniões dos outros seres humanos. Precisamente para fugir à análise crítica das nossas crenças mais fundamentais, temos tendência para proibir aquelas práticas e ideias que nos parecem obviamente erradas. Defender o direito a estar errado — desde que o erro não prejudique terceiros — é por isso um passo fundamental para uma sociedade mais tolerante, pacífica e livre. ” (publicado em https://criticanarede.com/millexpressao.html )

 

3) Também é muito útil este artigo (em inglês): https://plato.stanford.edu/entries/mill-moral-political/#HarPri

4) E ainda este vídeo:

 

Poderíamos apontar excepções e objecções ao  Princípio do Dano? Pode o Estado interferir na liberdade dos cidadãos? O Estado deve impedir ações imorais? De acordo com esse princípio, o que dizer de algumas formas de paternalismo? O princípio do dano poderia justificar a censura? Como relacioná-lo com a violência ou o discurso de ódio? Poderia a ofensa ou o insulto constituir uma violação do princípio do dano?

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Sérgio Lagoa - APF

Professor de Filosofia no Ensino Secundário e Formador de Professores. Mestre em Pedagogia do e-learning (UAb) e Mestre em Didática da Filosofia (FLUP). Membro da direção da Apf (Associação de Professores de Filosofia)

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3 Comentários

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    Rosimeire
    24 de Novembro, 2020

    Entendo que devemos nos proteger da tirania da maioria que, muitas vezes traduz-se na opinião pública. A maioria desejando impor as ideias ou as práticas dominantes, pode chegar a coibir ou escravizar as ideias de uma minoria. A questão é que muitos outros não se comportam ou não defendem ideias ou ideais que nós gostamos ou gostaríamos que fizessem, ou seja, que fossem e pensassem do nosso jeito. Assim, somos todos déspotas que desejamos que os outros concordem com nossa visão de mundo, quer pela força do poder, quer pela instigação dos meios midiáticos ou mesmo pelas comédias e sátiras. O próprio Sócrates foi vítima desse poder. Na comédia As nuvens de Aristófanes, Sócrates é ridicularizado o que ajudou a fazer a cabeça do povo e a condená-lo. Portanto, sou contra, por exemplo o jornal francês publicar caricaturas de Maomé.

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      Sérgio Lagoa - APF
      1 de Dezembro, 2020

      Mas, Roseimeire, se é contra a tirania da maioria, ao proibir a publicação das caricaturas de Maiomé não estará colocar-se ao lado daqueles que querem deter uma maioria que lhes permita, precisamente, ilegalizar a publicação das caricaturas?

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    Rosimeire
    2 de Dezembro, 2020

    Realmente professor, você está certo, pois depende do ponto de vista que se olha a questão.

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