Os vários lados da verdade
“Não afirmo que o uso mais ilimitado da liberdade de exprimir todas as opiniões possíveis poria fim aos males do facciosismo filosófico ou religioso. Todas as verdades em que pessoas de capacidade limitada acreditam honestamente serão certamente defendidas e inculcadas e, de muitas maneiras, servirão de base para a acção, como se nenhuma outra verdade existisse no mundo, ou, de qualquer modo, nenhuma que alterasse ou limitasse a primeira. Reconheço que a tendência de todas as opiniões para se tornarem facciosas não se cura pela mais livre discussão, mas é frequentemente intensificada e exacerbada por ela; sendo a verdade que devia ter sido vista, mas não o foi, rejeitada de modo mais violento por ser defendida por pessoas encaradas como oponentes. Mas não é sobre o defensor veemente que este confronto de opiniões exerce o sei efeito salutar, mas sim sobre o espectador mais calmo e desinteressado. O mal alarmante não é o conflito violento entre partes da verdade, mas sim a tácita supressão de metade dela: há sempre esperança quando as pessoas são forçadas a a escutar os dois lados; é quando prestam atenção a apenas um deles que os erros se solidificam e se tornam preconceitos, e a própria verdade deixa de ter o efeito da verdade ao ser tão exagerada que deixa de ser verdade. E dado que há poucos atributos mentais mais raros que aquela capacidade crítica que pode participar num juízo inteligente entre dois lados de uma questão, dos quais apenas um é representado perante si por um defensor, a verdade não tem qualquer hipótese de vencer excepto na medida em que todas as partes da verdade e todas as opiniões que incorporem qualquer fragmento da verdade não só encontrem defensores, como também sejam defendidas de modo a escutar-se.”
John Stuart Mill, Sobre a Liberdade, Cap. I
Pensemos na realidade do mundo atual. Até que ponto uma parte da verdade não é suprimida, por nós próprios ou por outrem, se a realidade for uma “ditadura dos algoritmos“?